quinta-feira, 8 de março de 2012

A descoberta do câncer (parte 4)

Entrei na sala do médico e fechei a porta.

Calmamente e minusciosamente, ele começou a me explicar o que ela tinha. Ele havia detectado na ressonância um tumor em estágio avançado do lado direito do pulmão, outro menor no lado esquerdo do pulmão e diversos pequenos tumores no fígado. Era um quadro complicado e sem chances de cura.

Ele me explicou que, nesse caso, o tratamento poderia ser feito, mas ela poderia não resistir a ele e, se resistisse, estaria aumentando muito pouco o tempo de vida dela. Nós poderiamos cuidar dela em casa ou interná-la nos hospitais públicos de apoio.

Nesse momento me desesperei. Disse a ele que estava confusa e o pedi ajuda sobre o que fazer. A pergunta que me fez foi marcante:

"Nesses momentos nós devemos pensar como se fossemos nós no lugar dela. Se fosse você, preferiria passar os últimos dias da sua vida na sua casa, com a sua família, ou em um hospital?"

Obviamente eu respondi que preferia ficar com a minha família.

Ele continuou a me orientar. Perguntou se ela tinha filhos ou marido e eu respondi que não. Perguntou se tinha irmãos e eu disse sim, e que inclusive, com excessão da minha mãe, eram todos mais velhos do que ela. Ele me incubiu de avisar a família e me explicou que isso deveria ser feito com cautela, para evitar que problemas de coração pudessem se manifestar nos meus tios. Era preciso contar para todos os irmãos.

Por fim, era preciso contar para ela. O médico me explicou que ela estava lúcida e que tinha o direito de decidir sobre a vida dela. Ela poderia decidir entre fazer ou não a biópsia e, se a biópsia fosse realizada, entre fazer ou não a quimioterapia.

Nesse momento eu tinha vontade de anotar tudo. Tive medo do desespero me fazer esquecer os detalhes importantes. Eu tinha que ser forte para poder cuidar de mim e de todos os meus familiares neste momento.

O médico me disse que, mesmo que ela ficasse em casa, em algum momento nós teriamos que interná-la, e que este momento seria quando a vida dela estivesse em seu estágio final. Ele me disse que esse momento seria reconhecido facilmente (não que não seja dolorosamente), pois ela não conseguiria mais se alimentar ou sentiria dores tão fortes que os remédios que administramos em casa não seriam suficientes para anulá-las.

Chorando, pedi que ele repetisse estas últimas orientações. Ele repetiu. Nós nos levantamos, ele me levou até a porta, e eu tive vontade de agradecê-lo pelo cuidado e pelo carinho que teve.

Na saída encontrei minha amiga e a contei sobre o que o médico havia me dito. Choramos juntas por pouco tempo. Ela me orientou sobre como realizar os exames e voltou a trabalhar.

Fui encontrar minha tia e meu namorado. Eles me esperavam na porta do hospital. Convenci minha tia de tentarmos realizar o raio x neste mesmo dia, de forma a agilizar os resultados para a biópsia.

Ficamos esperando a chamada para realização do exame. Foi uma meia hora terrível. Eu olhava tudo a minha volta e tudo me dava vontade de chorar. Mas eu não podia chorar. Não havia falado com ninguém ainda e não podia deixar que minha tia desconfiasse.

O atendimento demorou tanto que desistimos de realizar o raio x. Ficamos de voltar na semana seguinte. A secretária me aconselhou a levar a tia na próxima segunda-feira, pois às segundas a fila do exame não é tão grande.

Fomos para casa. Por dentro eu tive muita vontade de chorar.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A descoberta do câncer (parte 3)

Era noite de quinta-feira e faziam oito dias desde que minha tia havia feito os primeiros exames na UPA. A endoscopia e o novo exame de sangue estavam marcados para o dia seguinte pela manhã.

Quando cheguei em casa do trabalho minha tia começou a choramingar que queria beber água. Já eram 21hs e os exames requeriam 12hs em jejum. Às 21:30hs ela tomou o último gole de água.

O laudo da ressonância dizia que havia uma massa no pulmão direito que deveria ser investigada. Eu sabia que aquilo era a causa do problema. Ela me pediu para que não fizessemos a endoscopia, pois tinha medo de não aguentar o exame. Eu disse que levariamos o laudo no médico antes de ir realizá-la e verificariamos com ele se a endoscopia seria realmente necessaria.

Fomos dormir.

Na sexta pela manhã ela não queria fazer o exame, mas queria ir ao médico para finalmente descobrir o que tinha. Precisei usar esse fato para convencê-la a ir, pois ela estava uma doente muito teimosa.

Chegamos ao médico e ficamos esperando o atendimento. Assim que foi possível o doutor me chamou. Como eu ia somente mostrar os exames, preferi não atrapalhar a minha tia, que se encontrava deitada no colo do meu namorado. Entrei na sala e antes que eu pudesse fechar a porta ela já estava lá dentro também.

O médico olhou o exame, perguntou novamente se ela fumava, disse que havia um tumor e que seria necessario realizar uma biópsia. Ele disse que a endoscopia não seria mais necessária e pediu um raio x do abdomem, um eletrocardiograma e uma consulta com o cardiologista para avaliar o risco cirurgico.

Minha tia saiu da sala na minha frente. Enquanto ela saia, o médico fez um sinal me pedindo que voltasse sozinha para falar com ele assim que fosse possível. Ajudei o meu namorado a levá-la até o local onde faria o exame de sangue e pedi que ele ficasse com ela. Eu disse à ela que iria falar com a minha amiga na recepção do hospital para ver como poderiamos fazer os novos exames que foram solicitados.

Nervosa, voltei para ver o que o médico queria.

A descoberta do câncer (parte 2)

No mesmo dia da consulta eu comecei a procurar locais para realizar a ressonância magnética do abdômem total. Na internet dizia que na minha cidade somente uma clínica realizava este exame. Liguei para a tal clínica, mas só consegui marcar o exame para dali a dois dias e por R$1350,00 (minha tia não possui plano de saúde).

No dia seguinte pela manhã, minha madrinha me disse que havia uma outra clínica da cidade que fazia o mesmo exame. Liguei para o local e realmente eles faziam o exame, e havia horário para aquela manhã. Imediatamente contactei meu primo, que levou eu e minha tia para a clínica. Entre a nossa chegada a clínica e nossa saída se passaram duas horas e meia. Minha tia estava cansada, mas feliz por ter conseguido fazer o exame que detectaria o problema que ela tinha. O exame custou R$1500,00.

O laudo do exame só seria liberado em oito dias. Estávamos em uma terça-feira, e o laudo só sairia na quarta da semana seguinte. Eu e minha tia pedimos uma certa urgência na liberação do resultado, mas nós, pessoas comuns, não temos muito crédito nestes pedidos. Infelizmente todos nós achamos que nossos exames são prioritários, o que faz com que a clínica não priorize exames por pedidos nem do doente nem dos parentes do mesmo.

Lembrei-me então de ter contactado uma amiga que trabalhava em um hospital da cidade e que ela havia dito que conseguiria marcar um gastro na quinta-feira para a minha tia. Nós não tinhamos nada a perder em ir em outro médico, ainda mais que a consulta seria gratuita. Então entrei em contato com ela e pedi que marcasse a consulta.

A esta altura os familiares que cuidavam da minha tia (eu e uma outra tia, que usarei o apelido para me referir a ela, a tia Gi) já estavam sem saber o que fazer para conseguir alimentá-la e conter as dores e enjôos.

Na quinta-feira fomos eu, tia Gi, minha tia e meu namorado ao médico. O doutor foi super atencioso, diferentemente do primeiro médico em que haviamos a levado. Ele disse que realmente não poderia dizer nada antes do resultado da ressonância, mas nos orientou em como alimentá-la a base de legumes e carnes batidas no liquidificador, receitou um remédio para ajudar na digestão, pediu exames de sangue e endoscopia para auxiliar no diagnóstico da doença e me entregou um documento para ser entregue a clínica que realizou a ressonância pedindo que o laudo fosse liberado com urgência.

Eu mesma levei o documento até a clínica. O laudo foi liberado neste mesmo dia.

Antes de ver o laudo eu acreditava nas hipóteses de hepatite, cirrose (meu avô morreu de cirrose e câncer no fígado) ou câncer no fígado. Ao ler o exame, pude reparar que a massa que preocupava o médico não estava localizada no fígado, mas no pulmão direito.

Neste dia minha tia estava emocionalmente abalada e chamava a atenção dos famíliares através de crises de enjôo e vomito a todo o tempo. Eu e a tia Gi estávamos exaustas e preocupadas.


terça-feira, 6 de março de 2012

A descoberta do câncer (parte 1)

Há algum tempo minha tia já vinha reclamando de cansaço e uma "alergia" que nunca passava. Como ela já é uma senhora (tem 70 anos), a família acreditava que tudo era causado pela idade.

Em outubro do ano passado, ela havia feito um checkup. A cardiologista havia dito que estava tudo bem. Nas palavras da minha tia ela afirmava que a doutora havia dito que "o pulmão estava limpinho".

Em janeiro deste ano minha tia começou a sentir enjôos e dores, mas ela sempre culpava a "alergia" crônica que ela tinha. Somente em fevereiro ela percebeu que havia algo realmente errado com ela. Ela começou a pedir a família que a levasse aos postos de urgência públicos. Na segunda visita à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) foi verificado que havia algo de errado no sangue dela.

Eu não sei os termos técnicos, mas entendi que no sangue da minha tia havia bile (sim, aquele suco produzido pelo fígado).

Foram pedidos uma ultrassonografia do abdômem e uma endoscopia. A família optou por fazer a ultrassonografia primeiro, uma vez que a endoscopia seria um exame muito dolorido para uma pessoa na idade da minha tia.

Quatro dias após o atendimento na UPA levamos minha tia a um gastroenterologista. Este somente pediu uma ressonância e disse que não poderia fazer nada enquanto ela não tivesse o resultado da mesma.

Durante todos estes dias os enjôos e a dor se mantiveram. Minha tia só podia tomar remédios leves para a dor, os quais foram receitados na própria UPA.

Primeiro ato

Criei este blog como forma de compartilhar com os outros o mal que minha tia tem passado. Apesar de ainda não diagnosticado, o médico já confirmou o que nenhum de nós gostaria de saber/ter/passar: o problema de saúde pelo qual ela tem passado é causado por um câncer.

Um tumor pode começar por várias causas. Eu não sou médica, mas ao julgar pelo tempo que minha tia fumou, o problema foi originado pelo tabagismo. Ainda não sabemos ao certo, mas pelo resultado da ressonância magnética, tudo indica que o tumor começou no pulmão direito e já sofreu metástase para o pulmão esquerdo e fígado.

Espero através destes textos poder passar para aqueles que se interessarem pelo assunto como é doloroso ter câncer e cuidar de uma pessoa com câncer.